quarta-feira, 30 de junho de 2010

Cavalos do Além

Os cavalos do além do folclore europeu atiravam aos seus ginetes as aguas

CAVALOS DO ALÉM
Marcial Tenreiro Bermúdez
Universidade da Corunha

Faz algum tempo contar-me-ão uma lenda que me fixo começar a desensarilhar uma série de temas míticos conteúdos no folclore galego e europeu em geral. Era a seguinte: ia um homem pela noite e topou com um cavalo abandoado e decidiu montar nele. Quando estavam atravessam um rio e no meio do cauce a besta pôs-se a beber, o cabo de um rato ao ver que o animal ainda não rematara o homem disse: ai Jesus, que nunca tal vim?. Namais mencionar o nome do Senhor o mulo partíu em dois cachos e desapareceu, deixando cair ao rapaz no meio do regato.

-O demo bulrreiro.
Lendas deste tipo são muito comuns em toda a nossa geografia, assim como também nos vizinhos Portugal e Astúrias. Na variante mais corrente, um grupo de jovens que se recolhendo-se de uma foliada pela noite, atopam-se com um cavalo branco diante deles como ofrecendose-lhes para que cruzem nele o rio. Ante a perspetiva de voltar à casa andando e em aplicação daquele velho dito popular de “quem tem besta e anda a pé mas besta é” os rapazes decidem montar um trás outro no equideo sem dar-se conta, cecais por efeitos festivos secundários que não compre explicar, de que o cavalo estava a estirar a sua garupa para acomodá-los nela.
Assim suben um, dous, três, quatro sem dar-se conta de nada, sob quando estan a cruzar o rio se faz evidente aquelo, ao ver as patas dianteiras da besta no meio do curso e as traseiras ainda na ribeira, daquela o cavalo contrae seu lombo botando à água aos rapaçes que tenhem que voltar a casa “todos molhadinhos coma pitos” mentres oem, por derriba, a molesta risa do trasno.

O trasno ou demo bulreiro e uma figura normalmente inofensiva que aproveita a sua capacidade de adoptar formas animais com a ideia de zombar-se dos seres humáns, com especial preferência pelos jovens e jovens que voltam das festas, fias ou muinhadas, no obstante como contrapunto deste aspeito cómico e inócuo existem versões que mostram um perfil mais sinistro detras de tudo isto

-O cavalo da água
Falanos Leite de Vasconcellos da tradição dum poço maldito habitado pelo demo, que se aparecia às vezes em forma de cavalo; quem ousava montár nele era arrastado pela besta ao poço e desparecia para sempre. Recolhe este autor o caso de uns meninhos que montaram nele, excepto um, que já advertido da perigosidade da besta, salvou assim a vida. Curiosamente variantes como esta são as que tiveram mais sucesso nas lendas paralelas do resto do mundo céltico e germânico. Na Escócia existe um ser similar; o chamado Each Uisge literalmente o “cavalo da áuga”.

 Uma lenda conta como sete meninas e um neno atopanse com um fermoso cavalo a beira dum lago. As meninhas vão montando uma trás outra nele, ate que ao chegar ao menino, este da-se conta de que o cavalo fora esticando o lombo com cada novo ginete e alcança a fugir de ser arrastado coma os outros as profundidades do lago.
Diz-se que o cavalo do água debora ali aos desgraçados que leva consigo, tamen se conta que os que montam derriba dele já não podem baixar pois ficam apegados a sua garupa. De igual maneira no mundo nórdico cavalos sobrenaturais saido dos lagos arrastavam inebitavelmente ao que montan neles às suas águas. Das fragas do Eume dizia-se dum trasno em forma de cavalo, que se metia no interior do rio sem que se precise mais. Vicente Risco falava de como um dos perigos dos caminhantes era se atopar pela noite com esses pantasmagóricos cavalos que deitavam lume pelo fucinho e que, à medida que se alonxaban medravam em tamanho até tocar o mesmo céu. Aparecições de animais que frequentemente se relacionavam cos avisos de morte, já que quem tinha a má sorte de vê-los morria em menos dum ano.  

-O cavalo e a morte
Essa relação entre a morte e o cavalo sobrenatural aparece, nembargantes, mas explicita noutras tradições galegas. Assim nas zonas de Meijoeiro e Elvinha falava-se de um cavalo branco que pelas noites saía das águas do rio e dirigia-se a aldeia, pelo caminho disque sobre o seu lombo aparecia um cadaleito que logo deixava na porta da casa dalgum dos vizinhos, aquelo era percebido como o sinal de uma morte iminente na família.

Numa lenda procedente de terras luguesas um cavalo misterioso entra numa casa justo quando o pai esta agonizando convalecente de uma doença. O cavalo vai petando com os pezunhos no chão e onde él petaba abrolhaban pequenas fontes de água, logo subíu o sobrado da casa e ficou mirando para o convalecente que daquela votou seu último alento e morreu. Igualmente se contava de outros animais mostrosos europeus como os cavalos demóniacos sem testa do folclore basco, ou os cavalos de três patas da tradição oral dinamarquesa, que eram asimesmo anúncios de uma morte pronta, neste último pais dizia-se que a morte montava um cavalo ao que invitaba a subir aos finados. No noroeste peninsular a de cavalo era uma das formas que de cote tomavam as animas quando se queriam aparecer aos vivos.

É curiososo que em algumas zonas da Galiza a estrema unción se chamasse “ponher a espora”, como se o convalecente se dispusesse a fazer uma longa cavalgada. O tema pode ser muito antigo entre nós pois em epoca medieval num dos relevos da tumba do cavaleiro Egas Moniz, encontramos uma escea na que três personagens aparecem montando num cavalo extraordinariamente longo enquanto que, suspeitamente, noutra escea precedente, parecem descansar pracidamente, cecais para sempre já, num mesmo leito.



Significativamente um texto irlandes amostranos a um cavá-lo que também estica o seu lombo a vontade como a montura de Mannanan Mac Lyr, o deus do mar (e da morte), com ele cavalga por derriba das ondas do mar recolhendo aos naufragos (afogados) para levá-los derriba dele a uma misteriosa ilha, trasunto dessas Ilhas do Além tão comuns na mitoloxía céltica.
Esta recorrente associação entre os diferentes cavalinhos da agua dos foclores célticos e germânicos actuais e a morte tem-se explicado descasca importância que este animal teve na mitología desses povos como conductor das animas dos morridos ao outro mundo. Elo estaria reflectido mesmo na conhecida diadema-cinturão aureo de Rivadeo, obra mestre do ourivesaria dos antigos galaicos, que nos mostra a um grupo de homens a caválo em curiosa peregrinagem, cecais a um alem indeterminado, a modo de preterita Santa Companha, por um caminho acuático entre peixes, tartarugas e aves zancudas várias.

Tradições como estas são, em resume, um bom ejemplo de como a nossa cultura popular pode prolongar-se no mas fundo do nosso ser e passado, achegando-no-lo o ate a mesma actualidade. Assim pois, lembrem bem, se a proxima vez que volten a casa a altas horas da noite, se encontram um extrano cavalo branco que se lhes oferece suspeitamente para dar uma curta carreira ao seu domicílio particular, penseno duas vezes. Cecais fora melhor colher um táxi.

La Voz de Ortigueira 12, 20 e 26 Junho 2010


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