segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Venvindos ao Antropoceno?

39 centímetros de terra sugerem que vivemos em outra época

Uma pequena coluna de sedimentos extraída de umas marismas bascas regista a contaminação gerada nos últimos 700 anos e apoia a teoria de que o ser humano entrou em uma nova época geológica, o Antropoceno

Os seus 39 centímetros de longitude escondem-se os segredos de 700 anos de contaminação no norte de Espanha: os incêndios florestais do Medievo, as emissões tóxicas dos Altos Fornos de Vizcaya, os poluentes procedentes das fábricas de armas e de cuberterías em Guernica, o parón da crise do petróleo. E, ainda mais, os seus grãos encerram evidências que apoiam a teoria de que entrámos em uma nova página do calendário da Terra, esse que dura uns 4.500 milhões de anos e que em local de dias, semanas e meses fala de épocas, eras, períodos e eoes. A nova página do nosso planeta chamar-se-ia Antropoceno.


A equipa do geólogo Alejandro Cearreta extraiu esse cilindro de terra em 2004 em um local idílico: Urdaibai, um território basco dominado por marismas, praias, azinhais e falésias que foi declarado Reserva da Biosfera da Unesco. Para explicar o que faz, a Cearreta gosta de citar ao geólogo estadounidense Walter Álvarez, pai da teoria de que um meteorito provocou a extinção em massa dos dinossauros. "Os sólidos têm memória, mas os líquidos e os gases esquecem", parafrasea o professor da Universidade do País Basco.



Os seus sólidos, as diferentes capas de sedimentos amontonadas durante sete séculos nas marismas de Urdaibai, falam pelos cotovelos. A sua análise mostra que nas primeiras etapas da Revolução Industrial, entre 1800 e 1860, as concentrações de hidrocarburos aromáticos policíclicos se multiplicaram por duas. Em 1930, com os próximos Altos Fornos de Vizcaya exportando aço a Europa a todo o vapor, a contaminação já multiplicava por dez os níveis preindustriales.


E em 1975 chegou o seu maximo. "Os hidrocarburos aromáticos policíclicos provêm da combustão: de incêndios florestais ou de queima-a de lenha. Mas, sobretudo, do carvão utilizado na indústria metalúrgica desde o século XIX", assinala o pesquisador. Outros poluentes têm outra origem. "Em Guernica empregou-se cobre e zinco na indústria de cuberterías", detalha


O trending topic da geologia
Cearreta é o único espanhol no Gupo de trabalho sobre o Antropoceno designado pela Comissão Internacional de Estratigrafía, o organismo responsável de elaborar a escala de tempo geológico, o calendário oficial da Terra. Ali estuda-se se, como propôs em 2000 o prêmio Nobel de Química holandês Paul Crutzen, o planeta se encontra em uma nova época geológica, marcada pela contaminação, a mudança climática, a deforestación, a urbanización sem travão e a extinção de espécies vegetais e animais. 


Uma nova época marcada, em soma, pela voracidad do ser humano. "Em geologia, o Antropoceno é o trending topic", opina Cearreta, aludindo ao termo específico utilizado na rede social Twitter para assinalar os principais temas dos que falam os utentes em um momento dado.


A Comissão Internacional de Estratigrafía, adscrita à União Internacional de Ciências Geológicas, estuda atualmente o Antropoceno como ?uma potencial época geológica?, ao mesmo nível que o Pleistoceno, surgido faz 2,6 milhões de anos, e o Holoceno, a época começada faz uns 11.500 anos, quando o final da última idade de gelo possibilitou a explosão demográfica do ser humano. A Comissão analisará a proposta do seu grupo de trabalho em 2016, durante um congresso internacional em África do Sul.



"Há um grande debate sobre se o Antropoceno começa com a invenção da máquina de vapor ou com a grande aceleração vivida após a Segunda Guerra Mundial. Ou no Neolítico, quando começamos a ter controlo sobre os animais e as plantas que domesticamos", aponta Cearreta. Outros pesquisadores propuseram como arranque do Antropoceno no ano 1945, o começo da era nuclear, quando EEUU detonou a primeira bomba atómica em Alamogordo. Desde então, a humanidade explodiu umas 2.000 bombas nucleares, deixando um rastro radiativo facilmente identificable pelos geólogos nos chãos de todo o planeta.

Escepticismo
"Para que o termo Antropoceno seja aceite formalmente precisa estar cientificamente justificado. Isto significa que a marca geológica que se esteja a produzir nos estratos que se estejam formando atualmente deve ser o suficientemente grande, clara e distintiva", adverte no seu site o próprio grupo de trabalho do Antropoceno, dirigido pelo paleobiólogo Jan Zalasiewicz, da Universidade de Leicester (Reino Unido). 


Para os expertos mais escépticos, como Philip Gibbard, da Universidade de Cambridge, o Antropoceno diretamente não existe. "Embora tenha mudanças importantes, como a concentração de gases de efeito invernadero na atmosfera, eu acho que ainda vivemos com as mesmas condições que serviram para definir o Holoceno. Estamos em uma época entre duas glaciaciones: o nível do mar está alto e a extensão dos glaciares é limitada. E as atividades humanas não modificaram de maneira essencial essas características", expunha Gibbard recentemente na revista francesa Science et Vie.


"O Antropoceno existe. E esta afirmação não se baseia na fé, senão em evidências. A nossa espécie é o primeiro agente transformador do planeta", opina pelo contrario Cearreta. O estudo dos 39 centímetros das marismas de Urdaibai, publicado na revista Science of the Total Environment, "sugere o ano 1800 como limite entre o Holoceno e o Antropoceno no norte de Espanha", segundo os autores. É a mesma data que indicam outras mostras tomadas em outros pontos do mundo e a mesma que propôs o prêmio Nobel Paul Crutzen. Ao seu julgamento, nesse ano o planeta entraria em um novo capítulo da sua história: a época do ser humano.

fonte da nova: materia.com


Referência
Leorria, E., Mitraa, S., Irabiend, M.J., Zimmermanc, A.. Blaked, W.H., Cearretae, A.: "A 700 year record of combustion-derived pollution in northern Spain: Tools to identify the Holocene/Anthropocene transition in coastal environments" Science of Total Enviroment 470–471/1, 2014  pp. 240–247   
DOI: 10.1016/j.scitotenv.2013.09.064


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